A Praia
Não sei. Poderia escrever isto inúmeras vezes. Sei
tão pouco. Saberei sempre infinitamente pouco. De tudo. De nada. Dos
outros universos e galáxias, das pessoas, de mim próprio... E cada vez
sinto que estou mais perto. E cada vez mais tenho mais consciência que
nunca chegarei a saber. São tantas... Tantas coisas que tentamos
descobrir. Sempre mais e mais... Saímos de nossa casa com uma mala de
viagem às costas e partimos à aventura. Uns têm limites mais
circunscritos pela sua própria consciência. Outros vasculham o interior
se si próprios anárquicamente, tentando esconder-se da guarda da gente, e soltar amarras. Tentamos ir sempre um pouco mais à frente. De formas
diferentes. Os limites. Há sempre essa tal coisa a que chamamos limite
mas que não existe como coisa objectiva. Todos o sentimos, e sabemos
o que poderá significar, mas a verdade é que nunca ninguém o viu, nem
se sabe bem se existe mesmo. Existe para todos, e ao mesmo tempo, não
existe para ninguém ao certo, como coisa pré-definida, estática,
estanque. O limite é um dos demónios da nossa mente. É ele que toma
sempre a última decisão. E estamos constantemente a desenhar essa linha
na areia. Brincamos como crianças numa praia. Olhamos a grandeza do sol
que se esconde lentamente no horizonte, enquanto os seus raios
reflectidos no azul do mar se disseminam harmoniosamente pela nossa
percepção como um enebriante e relaxante espectáculo de sensações. De
seguida sentimos o frio que nos gela os pés e acorda. É uma onda maior,
esta que nos veio devagarinho molhar. Olhamos para o chão, e reparamos
na espuma que desce e se vai dissolvendo lentamente por entre os grão de
areia, até desaparecer. O mar leva o desenho. Apagou a linha do limite.
Será que deveria desenhar outra? Se voltasse a borratar um traço,
deveria pô-lo no mesmo sítio? Ou deveria abstrair-me deste dilema, e
sentar-me aqui um pouco a descansar? Ou um pouco mais atrás na areia
seca? Ou lá mais à frente, mais perto do sítio onde as ondas rebentam?
Ou deitar fora o velho pedaço de madeira, e parar de imaginar círculos à
minha volta? É bom partir para esta praia com amigos. É uma praia
deserta. Fica num local distante e inóspito. Para lá chegarmos, temos
que nos preparar com antecedência e levar muitos mantimentos. Um mar de
gente colorida estende-se no infinito. Dispersos. Vão-se
movimentando e distribuindo pelo areal. Cada um deles vai salpicando a
sua tela, à medida que explora e absorve a beleza da paisagem.
Presumo que estejam neste momento profundamente
envolvidos nas suas danças. Sozinhos. Rodeados por um mar de gente que
vai reflectindo as próprias cores. Sentimo-los próximos, mas não
arriscamos espreitar para ver o que fazem eles naquele momento. Nem
sequer temos a certeza de estar alguém ali por perto. Imaginamo-los
sozinhos. Vibramos com os nossos sentidos. Provavelmente estarão ali a
brincar eles também. Desprendidos no seu pensamento. Observam as suas figuras na areia. Que não se sabe nunca ao certo o que significam. Olho
de novo o sol. Sinto novamente a àgua gelada nos pés. Não ouço ruídos
humanos. Apenas a harmonia da natureza. Sei contudo que os meus amigos
estarão também por aqui, embora nos tenhamos todos separado. O
sol já quase se pôs. Presumo que seja um sinal para regressar. Ou para
ir mais além. Ou para ficar no mesmo sítio. Não sei ao certo. Não se
combinou nada. Lembro-me que não preparámos mantimentos para duas
viagens. Não nos preparámos para o regresso. Cada um deles poderá
eventualmente estar a ser neste preciso momento assolado pelo mesmo
pensamento. Todos tomarão uma decisão. Provavelmente nunca mais nos
vamos ver. Provavelmente quando chegar ao carro, estarão lá à minha
espera. Desligo-me. De todos eles, de mim próprio. Atiro ao mar o
relógio, e a madeira. Arrisco ficar mais um pouco. Imóvel... Enquanto
inalo a brisa, e absorvo as últimas cores, penso... Regresso? Fico mais um pouco? Parto para o desconhecido? Não sei. Poderia escrever isto inúmeras vezes. Sei tão
pouco. Saberei sempre infinitamente pouco. De tudo. De nada. Dos outros
universos e galáxias, das pessoas, de mim próprio... E cada vez sinto
que estou mais perto. E cada vez mais tenho mais consciência que nunca
chegarei a saber grande coisa...
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