quarta-feira, julho 29, 2009

Futilidades

Tudo parecia um pesadelo, um longo pesadelo que teimava em terminar, em desaparecer para sempre no esquecimento. A podridão exalava um cheiro insuportável dos corpos caídos que agora se arrastavam pelo chão como serpentes de sangue frio mortas que teimavam em exibir orgulho decadente confundido com uma miséria atroz que se parecia resumir a um orgasmo fingido pelos golpes profundos que outrora os haviam desfigurado, e os sonhos que persistentemente tentavam esquecer por já terem há muito desistido, apenas julgando alcançarem a vida nos precisos golpes em que desferiam morte e sofrimento

Ela parecia simplesmente uma cópia de má qualidade daquilo que poderia ter sido, reduzida a uma criança desesperada tentando imitar uma porn-star que um dia lhe pudesse imaginar ter tido aos olhos de terceiros a glória que sempre se sentiu incapaz de alcançar, rodeada de crianças mal amadas posando etéreamente na imitação dos seus heróis mortos, mas fugindo como o diabo da cruz de todo o drama interior que sempre tentavam ocultar.

Do meio de todo aquele sangue conseguira salvar o que restava, tentando recolher todas as peças esquecidas no passado, e que agora me permitiam voltar a ser eu. Como podia ter chegado ao ponto de depositar naquele desespero todas as minhas forças e esperanças, denegando a todo o tempo o óbvio, a futilidade dissolvida em álcool mas que não conseguia nunca fazer esquecer aquele sabor acre da eterna adolescência à minha volta que havia confundido com maturidade?

Num imenso buraco negro depositava agora toda a dor, todas as memórias recentes. Os profundos golpes das facadas saravam em mim rápidamente, apenas as caras escondidas por entre a escuridão da noite tentavam reaparecer desesperadamente por entre o sangue, escondendo as facas por entre os pesadelos que noite após noite os atormentavam, como se fosse aquilo a sua última motivação...

Salvava-se apenas a esperança, que reaparecia ao longe, cansada, saída do passado remoto, mascarada por uma tentativa desesperada de ocultar a triste realidade do presente que teimava apenas em querer salvar pelo orgulho. Eliminado para sempre o último ano ensombrado pelas futilidades crónicas e desesperadas dos que profundamente nunca mais quereria relembrar, o passado mais distante fazia-me sentir irremediavelmente culpado por todos os erros incorrigíveis das minhas desastradas (in)decisões. Eliminado o presente recente, desprezado pelo passado distante que teimava em reviver, aguardava, sem poder fugir do meio da podridão, as faces incógnitas de um futuro utópico, desnudado de todas as farsas e futilidades desta sociedade corroída pela hipocrisia, desespero e inveja.

Aqueles a quem tinha ouvido gastarem a voz, fazendo confundir as palavras paz, amor, liberdade, igualdade e fraternidade eram a imagem de tudo com que de pior esta sociedade de merda tinha transformado aquilo que não passavam de panfletos egocêntrico-egoístas-umbiguistas burlescos, vazios de matéria e conteúdo. Aquilo que outrora neles pareciam ser representações de sentimentos não passavam no fundo de efémeras futilidades intriguistas encenadas até à exaustão.

Queria apenas esquecer tudo, remeter as imagens para o buraco negro.
Acordado desse pesadelo, sobrava renascido apenas eu, com a sede de quem tinha estado um ano morto.

Se ao menos pudesse recuperar aquele passado distante que verdadeiramente tinha valido a pena, mas que só agora conseguia começar a compreender...

Apenas a luz ainda parecia brilhar em mim nas noites de escuridão, sem saber sequer se seria apenas mais um mero efeito vazio de ilusão óptica como tantos outros...

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