segunda-feira, março 06, 2006

Monólogos

Já não levo a mal o facto de não acreditar. Fui eu o primeiro a deixar de acreditar, o primeiro a deixar de escrever, a deixar de falar, a deixar de procurar, a deixar de sonhar... Se bem que este vá retornando em mim a sua fúria descontrolada de tempos em tempos, não posso dizer que tenha sido uma prioridade, principalmente desde que deixei de pedir notícias suas. O que de facto ìa alimentando eram os pensamentos que ia imaginando passarem por ela, por meio de uma comunicação, meio anónima, meio telepática. Hoje não acredito que ela tenha existido. Teria sido um obsessivo desejo que a havia criado. A ideia romântica de duas almas torturadas com canais abertos de comunicação em diferido, e que se encontravam nas palavras para expressar e viver o tal amor que nunca teriam coragem de viver na realidade. Uma história encantar que poderia ser pragmáticamente explicada. Um idealismo exacerbado, um desejo de concretizar, e eu acreditava que a conseguiria decifrar no éter, mesmo antes de conceber esse conceito de transmissão. Foi o meu cego desejo e obstinação que a associaram a imagens, e não o inverso. Ou seja, a minha interpretação já estava comprometida com ela.

Claro que numa realidade alternativa, e mesmo admitindo que de facto ela existisse (numa impossibilidade com mais zeros e vírgulas do que a probabilidade calculada de ganhar um euromilhões), é mais do que evidente que o personagem masculino do seu universo não era eu. E mesmo que alguma vez se tivessem dado todos estes conjuntos de improváveis probabilidades, não seria depois do desaparecimento que o monólogo seria súbitamente retomado. Parece evidente que nenhum de nós se queria entregar ou guardar. Aquilo que eu teria interpretado como uma desconfiança relativamente à minha fidelidade e dedicação ao compromisso, cumprindo uma regra antes de citada, poderia fácilmente ser reproduzida por mim próprio. Se de facto por algum acaso infinito fosse realmente ela, é mais do que certo que haveria forma de o adivinhar sem o saber, e que ela estaria provávelmente a raciocinar em cenários incompletamente concretos. E seria o mais natural. Não teria eu como descrever aquilo que eu mesmo havia feito.

Resta a sensação de uma paixão de personagem fictícia, que criei no meu universo tomando um modelo real. Se a verdadeira pessoa que me serviu de inspiração existisse não sei o que sentiria. Se o mesmo amor que tenho pela figura objectiva da minha imaginação, ou apenas uma sensação de vergonha, medo, e incerteza. O medo domina-me, domina todos os meus sentimentos. O medo de me submeter, o medo de me confessar o meu medo de amar...

E no entanto, é a sua imagem que me surge sempre que me sinto perdido, sempre que entrego o meu desejo à liberdade ...

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