domingo, outubro 31, 2010

A Verdade é Amor - Vergílo Ferreira

A verdade é amor — escrevi um dia. Porque toda a relação com o mundo se funda na sensibilidade, como se aprendeu na infância e não mais se pôde esquecer. É esse equilíbrio interno que diz ao pintor que tal azul ou vermelho estão certos na composição de um quadro. É o mesmo equilíbrio indizível que ao filósofo impõe a verdade para a sua filosofia. Porque a filosofia é um excesso da arte. Ela acrescenta em razões ou explicações o que lhe impôs esse equilíbrio, resolvido noutros num poema, num quadro ou noutra forma de se ser artista. Assim o que exprime o nosso equilíbrio interior, gerado no impensável ou impensado de nós, é um sentimento estético, um modo de sermos em sensibilidade, antes de o sermos em. razão ou mesmo em inteligência. Porque só se entende o que se entende connosco, ou seja, como no amor, quando se está «feito um para o outro». Só entra em harmonia connosco o que o nosso equilíbrio consente. E só o consente, se o amar. Porque mesmo a verdade dos outros — a política, por exemplo — se temos improvavelmente de a reconhecer, reconhecemo-la talvez no ódio, que é a outra face do amor e se organiza ainda na sensibilidade.

Vergílio Ferreira, in "Pensar"

Desistir do amor

Podes ler Ovídeo, podes aprender todas as técnicas de engate do mundo, podes saber satisfazer uma mulher sexualmente (algumas há que sao atrofiadas e isso exigiria tempo), podes ser atraente, inteligente e culto, mas perante todo o caos e egoísmo deste mundo, perante tanta merda, simplesmente desistes de tudo e de todas. Há muito que tinha deixado de acreditar no amor, mas secretamente lá ia restando aquela esperança pelo menos no sexo, numa companheira compatível, ou mesmo só numa noite. Esquece. A semana passada, a única que cheguei a equacionar nos últimos tempos, via-a ir com um amigo meu, uma noite depois de eu ter conseguido conhecê-la. Afinal, sempre que isto acontece penso que é pelo melhor, que ela não seria aquilo que eu procuro. O problema é que nenhuma é. Depois disso decidi mesmo não criar expectativas em relação a ninguém, não me humilhar perante ninguém. Foi precisamente isso que aconteceu, voltei a desejar alguém e humilhei-me o mais possível para chegar ao mesmo resultado. Há uma lei que nunca falha. A mulher que eu queria não existe, e todas aquelas que encontro vão-me sempre decepcionar muito mais cedo do que as minhas piores expectativas. A única solução, mais do que esgotadas todas as outras, é desistir mesmo de tudo, de todas, e não me voltar a submeter, a humilhar. É desistir do amor.

segunda-feira, outubro 18, 2010

Que se foda

Perdido por cem, perdido por mil.
Não posso perder mais tempo, devo acabar isto e sair deste país.

As leis de Murphy

Na verdade, não a amava, mas sim à personagem que encarnava um ideal, o meu ideal.

Vive-se na falsidade. Más sensações, e a intuição faz-nos querer acabar com o pesadelo. No final, readquire-se a certeza do individual. Desaparece a instabilidade, mas não a ânsia permanente. Vamos sempre ouvir mentiras e não conseguimos confiar, mas temos de andar e calar. Pessoas infelizes usarão qualquer palavra como arma, atacar como defesa. Eles são a encarnação das leis de Murphy, e esse é o seu "estilo". Pode que ter a ver com adolescência. Adoptam-se linhas de comportamento. O neurótico constrói castelos no ar, o psicótico habita-os. Eu quero distância tanto duns como doutros.

A verdade cai como um terramoto. Pessoas usam outras como consumistas para terem mais poder e influência social. Perdidos os ideais, entra-se em paranóia, em espiral. Não se confia em ninguém. O filósofo adoece e morre de cancro fulminante, e sobra a culpa. O homem estava a morrer.

Depois do teorema do hipópotamo, o animal mais feio da terra, saí e tentei gozar a vida de forma independente. Passei algumas noites com uma arquitecta dominadora de serpentes, loura, hippie. Não falávamos muito. Já voltou para lá. Eu estava completamente fodido, mas algumas eram inesquecíveis e aquela fazia-me sentir como se tivesse 18 anos. Antes de ir embora estava grávida, mas fiz contas e meu não era.

Voltei a ver Lucia e a sair com ela durante um ano, formalmente. Conseguimos ser amigos e ainda nos desejávamos. Nada fora esquecido, mas ela escolheu o outro, não sem antes ficar em dúvida. Já muito antes tinha sido ..., mas nessa altura andava confuso. Conheci mulheres. Viajava patrocinado pelo alcool, e o verão foi inesquecível. Conheci duas com quem foi crescendo a química, mas foram à vida delas. Bebo e fumo desalmadamente, à noite saio. Escrevo, vejo séries, leio, mas tornou-se rotina. Quero viver em liberdade e aqui asfixiam-me.

Farto de tudo isto, farto de viver no passado, vou fazendo o trabalho de luto, uma nova etapa na minha vida, desistindo das fugas em frente, das soluções fáceis e da alienação total. Começo a preparar a minha vida para sair daqui. Dediquei-me ao trabalho, desisti de beber tanto e comecei a fazer desporto e a levar uma vida o mais reservada possível.
Estou farto. E cansado.

Já não quero amar, já não me consigo apaixonar, já não me lembro em que fase semi-inconscientemente deixei de alimentar a manhã que parece alimentar os outros.

Só pode amar uma criança, só pode acreditar quem quer ser embalado, só pode embarcar numa loucura quem não sonha abusivamente.

O trabalho não entusiasma, assusta, a vida é um inferno e eu moro no seu estômago .

Quero fugir e não posso, ainda.

Tudo é mentira e hipocrisia.

O passado persegue a certeza de que eu não o esqueço. O meu ódio não tem válvula de escape. Um filme dejá vu pois escreve sempre mesmo o guião que leva ao abismo.

Bebo, não me lembro de nada, parece simplesmente mais uma repetição da noite anterior. Acordo como se estivesse morto, e cada dia que deveria ser um milagre se parece com mais uma tortura.